segunda-feira, 21 de junho de 2010

Ainda Saramago...

Junto a um quiosque há um leitor de jornais desportivos que se insurge contra as capas de jornais e revistas que trazem notícias da morte de José Saramago: "Morrem e são perfeitos! Não têm pecado! São uns heróis! O povo tem memória curta, esse comuna não era um patriota, fugiu para Espanha, queria que Portugal e Espanha fossem um país, não era patriota!", diz, de cachecol da selecção ao pescoço, poucas horas antes do 7-0 de Portugal contra a Coreia do Norte.
O senhor esquece-se que o "comuna" levou a língua portuguesa - e não a castelhana - aos quatro cantos do mundo, que é um prémio Nobel, que escrevia com profundidade, com conhecimento de causa, que não era daqueles escritores (como temos tantos) que escrevem sobre os seus umbigos, a morte dos seus pais, os seus desgostos de amor, as suas experiências na guerra colonial... Não, José Saramago escrevia sobre o Homem, sobre o mundo!
E quando alguém morre temos de facto tendência a esquecer o menos bom. No caso de Saramago a sua faceta de censor enquanto director de jornal no pós-25 de Abril, do seu pensamento estalinista, as perseguições que fez aos que não pensavam como ele.
O que não podemos esquecer é que a sua opção por viver em Espanha deve-se a um ex-governante de Cavaco Silva, um Sousa Lara que proibiu O Evangelho Segundo Jesus Cristo de concorrer a um prémio europeu -mais um censor no pós 25 de Abril, mas este bonzinho que era de direita e monárquico! -, porque pôs o seu catolicismo acima da liberdade de expressão de um autor.
Eu nem queria falar sobre este assunto mas quando os meus filhos me perguntaram porque é que os ex-presidentes da República acompanharam o funeral de José Saramago e o actual não, não tive opção senão relembrar esta história triste que, aparentemente, Cavaco não esqueceu e deve manter-se com aquela certeza que "raramente me engano". Por essa razão, manteve-se nos Açores, em vez de fazer o que lhe competia enquanto chefe de Estado: estar presente no funeral do prémio Nobel da Literatura, José Saramago. Espanta-me a primeira-dama, professora de Literatura, não ter vindo ao funeral.
BW

2 comentários:

  1. Concordo com tudo o que escreveu neste post.
    Gosto muito do vosso blog, que descobri há pouco tempo. Obrigada por tanta e tão boa partilha.

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