terça-feira, 10 de maio de 2016

Sobre o buzinão no Marquês e o devolver a cidade aos lisboetas

Gosto da ideia de um Eixo Central cheio de árvores, como de uma Segunda Circular cheia de pássaros. Gosto da ideia das esplanadas, das bicicletas, dos transeuntes a caminharem e a viverem a sua cidade.
Já quase se tornou um hábito, quando não chove, sair de casa, apanhar a Duque d'Ávila, ir ao mercado biológico ou ao corte inglès pela ciclovia, que a calçada dá-me cabo dos pés, para fazer umas compras pequenas. Portanto, também me imagino a fazer outros percursos a pé. Mas isso sou eu que vivo no centro da cidade. E os outros? Vêm a pé de Telheiras ou de Alcântara? E os que não moram em Lisboa (diz que são cada vez menos por culpa do preço das rendas) vêm a pé de Sintra, do Montijo (vêm a nado), de Cascais ou de Vila Franca de Xira?
O objectivo é que deixemos os carros e o nosso conforto à porta de casa e usemos os transportes públicos. Por isso, antes ainda das obras, deveriam invistir em bons transportes públicos, com muitos horários, motoristas sorridentes e passes baratos – sim porque os transportes são caros e contas feitas, por vezes, vale mais andar de carro do que com o cotovelo de alguém espetado nas nossas costas e o nariz debaixo do sovaco do vizinho.
E, já agora, para quando o regresso dos passes com desconto para os estudantes? Tenho lá dois em casa... Por caridade, tenham a bondade de me auxiliar...
BW

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Contratos de associação: uma discussão familiar

"Eu acho que o Governo tem razão...", diz-me ela, do alto dos seus 16 anos. "Não se pode estar a dar dinheiro aos privados se as escolas públicas estão tão mal...", justifica, depois de ouvir as notícias sobre os contratos de associação na rádio.
"Não é bem assim, uma coisa não tem a ver com a outra", digo, sentada ao volante.
"Não! Desculpa lá, mas desta vez não tens razão. Se o investimento for feito nas escolas públicas, não se despedem os professores, as salas podem ter melhores condições, até pode haver manuais gratuitos... Tu não queres que toda a gente tenha as mesmas condições que nós tivemos? Mas nem todos podem ir para os colégios, não é? Então as escolas públicas têm de ter as mesmas condições!", argumenta ele, contrariado por ser o mais velho e ir no banco de trás.
Ela, à frente, corrobora: "O mano tem razão..."
"Sim, vocês têm razão, mas os pais querem que os seus filhos frequentem estas escolas..."
"Se querem têm de pagá-las!", diz ele, peremptório.
"Não necessariamente. Se o Estado lhes possibilitou até agora poder ter lá os filhos por que razão não podem continuar no ciclo seguinte? Se os pais querem é porque sabem que aquelas escolas oferecem outras condições que a escola pública ao lado de casa não oferece. Muitos destes pais não são ricos", digo.
"Exacto! Então o Estado tem de investir nas escola pública para oferecer as mesmas condições a todos!", aponta ele.
"Ou... o Estado pode ter a coragem de concluir que essa escola pública não é boa e fechá-la. Por que não se pode fechar uma escola pública?", pergunto-lhes.
"Porque o ensino deve ser público e gratuito", responde ele.
"Sim, mas é gratuito para estas famílias e estas escolas estão a oferecer um serviço público", continuo.
"Está mal!", reage. Ela vai acenando e concordando com o irmão. "Se querem que os filhos fiquem nos colégios, têm de pagar. Vocês também pagaram..."
"Vocês até podem ter razão, mas falta-vos porem-se nos sapatinhos dos outros. Serem solidários com os pais e com os alunos que não podem continuar nessas escolas; com os professores e funcionários que podem ser despedidos...", começo a dizer, tentanto um outro ângulo.
"E nos sapatinhos dos professores do ensino público que foram despedidos?", contrapõe ele.
"Também", concordo. "Mas os professores do público têm mais direitos do que os do privado? Por acaso até têm... Nada é assim tão simples", ainda tento.
"Então estamos conversados, mãe, desta vez não tens razão."
"Mas gostamos de ti à mesma", brinca ela, fazendo-me uma festa na mão.
"Eu não!", diz ele.
Espreito pelo retrovisor e ele pisca-me o olho.
BW

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Contratos de associação: sim ou não?

Nota histórica: os contratos de associação nasceram numa altura em que a rede das escolas públicas não chegava a todo o lado. Assim, o Estado contratualizou com escolas privadas que existiam nas regiões, pagando-lhes para receber todos os alunos. Portanto, estes não pagam mensalidades porque é o Estado que as paga, como se de uma escola pública se tratasse.
Com o passar do tempo, o Estado construiu escolas, em algumas regiões duplicou a oferta, uma vez que esta já existia. A isto devemos chamar "má gestão". Mas não é assim que a esquerda interpreta – tudo, mais cedo ou mais tarde, cai na ideologia. A isso a esquerda chama "oferta pública". Como se o que as escolas privadas fazem não fosse escrutinado pela Inspecção-Geral da Educação, como se não tivessem de dar as mesmas matérias que as públicas, como se os seus alunos não tivessem de fazer os mesmos exames.
Mas a história não fica por aqui e, paralelamente à construção de escolas públicas, o mesmo Estado – é preciso ver que este nem sempre é o mesmo porque umas vezes é o PS que o gere, outras é o PSD/CDS – autorizou mais contratos de associação em colégios ao lado de escolas públicas e mais: permitiu que novas privadas conseguissem estes mesmos contratos. Má gestão, repito.

Depois de viverem dias calmos com Nuno Crato, as escolas privadas com contratos de associação estão em alvoroço com a possibilidade de perderem os contratos, logo, o financiamento.
Há contratos que são vergonhosos, os do centro da cidade de Coimbra, com escolas públicas ao lado! O das Caldas da Rainha onde a escola pública já existente ficou às moscas desde que a privada abriu, recentemente.
Mas aqui é que está o ponto: por que está a escola pública às moscas?
E devia ser sobre isso que as públicas que querem os alunos das dos contratos de associação deviam reflectir, em vez de acharem que têm o direito porque o "ensino é público". Repito: porque está a escola pública às moscas?
Outros pontos sobre os quais podem reflectir:
O que faz a escola pública para bem receber os alunos?
O que lhes oferecer em termos de actividades extra-curriculares?
Tem um corpo docente estável e disponível para tudo?
Tem recursos físicos e humanos para que os alunos fiquem até mais tarde?
Como é a sua relação com os pais? Ouve-os, trata-os bem?
Tem transporte?

Há escolas com contratos de associação más? Há, basta olhar para os rankings e elas lá estão. Há escolas com contratos de associação que escolhem os alunos? Sim, como há públicas que o fazem, mesmo que jurem a pés juntos que não. Há escolas com contratos de associação que exploram os seus professores? Há, têm sido denunciadas pelos sindicatos.
Mas também há escolas com contratos de associação que recebem os alunos que as públicas não querem ou os que as públicas desistiram.
Um amigo do meu filho esteve numa escola com contrato de associação com uma equipa de atletismo fortíssima – ah, pois, os privados podem ter essas coisas, dirão já os invejosos. Mas os públicos não têm porquê? Porque não querem, não é por falta de condições visto que todas as escolas têm pavilhão desportivo e departamento de educação fisica.
Voltando ao amigo do meu filho. É um rapaz de uma família pobre de uma ex-colónia, de um bairro complicado, que noutra escola teria poucas possibilidades porque estaria, à partida, condenado ao insucesso. Nesta escola com contrato de associação foi integrado, a escola percebeu que o miúdo tinha jeito para o desporto, pô-lo a praticar uma modalidade que pode levá-lo longe, e, entretanto, entrou na universidade, com bolsa, conseguida com a ajuda da escola que preparou todo o processo – ah, mas as privadas têm condições que as públicas não têm, onde é que numa pública podemos ajudar os meninos a ter bolsas... Mas não existe um gabinete de acção social?
Portanto, se este miúdo não tivesse sido verdadeiramente integrado, não lhe fosse traçado um projecto de vida, provavelmente poderia fazer parte daquele grupo de 30 que queria, à força toda, comer às sete da manhã no Palácio dos Kebabs, em Santos, em Lisboa, e como não lhe foi feita a vontade destruiu e roubou.
Esses rapazes, possivelmente com o mesmo background que este miúdo, não andaram na escola? O que é que a escola fez por eles, já que as famílias nada fizeram?

Mas todas as escolas com contratos de associação são bons exemplos de integração? Claro que não! E todas as públicas são um mau exemplo? Também não. O que quero dizer é que se a escola cumprir o seu papel – se em vez de os directores estarem preocupados em agradar ao seu corpo docente, se preocuparem com os alunos e as famílias –, certamente que os pais vão querer que os filhos fiquem na pública ao lado de casa, em vez de meterem os miúdos nos autocarros para irem para a privada com contrato de associação que fica a 25 km de distância.

O desafio é deixar as leis do mercado funcionarem! Mais: se eu fosse o Ministério da Educação, em vez de apregoar que os contratos são para acabar, para gáudio da Fenprof, do PCP e do BE, punha a IGE no terreno, a reflectir com as públicas que estão às moscas e com as privadas que têm maus resultados. Porque se a rede inclui públicas e privadas, por que hão-de ser as privadas a fechar as suas turmas, só para que se mantenha o peso da máquina do Estado? Enquanto este for conivente com as suas clientelas não lhes exigindo nada em troca, a escola não muda e, por consequência, a sociedade tende a piorar.
BW