segunda-feira, 14 de março de 2016

Não uma aldeia, mas 20 anos para educar uma criança

"É costume dizer-se que para educar uma criança...", diz a minha mãe do outro lado do telefone. Reviro os olhos porque já sei que me vai dizer que "é preciso uma aldeia", mas não, ao fim de tantos anos e de tantas histórias e dizeres repetidos, a minha mãe consegue surpreender-me: "para educar uma criança são precisos 20 anos antes de ela nascer."
Por segundos fico baralhada, então não é o ditado africano da aldeia, da comunidade que se junta para educar os novos membros, para os ensinar a viver em comunidade? Não. São 20 anos, mas duas décadas antes de a criança ser nascida?
OK, já percebi! São 20 anos, o tempo dos seus pais, eles próprios serem educados e, antes deles, os pais dos seus pais. São precisas gerações e gerações.
É preciso sabermos namorar! O quê?!, pergunta o leitor, já muito confuso, então não era educar?! É verdade, é preciso saber muito bem como se escolhe e quem se escolhe para ser o pai ou a mãe dos nossos filhos. Daí os tais 20 anos. Porque, lá está, tudo reside na educação, na forma como fomos educados, na forma como vamos educar – não as palavras, mas os exemplos que damos – e, para educar, somos precisos dois! Dois e toda a nossa experiência e a dos nossos antepassados!
BW

quinta-feira, 3 de março de 2016

Falar de política ou da morte aos mais novos

«Falar da morte aos mais novos? Nem pensar. Só muitas estrelinhas no céu e outros eufemismos inventados pelas queridas avós. Falar de política? Também não! Têm tempo para crescer e descobrir quão mal anda a nossa vida e quão corruptos são os nossos governantes.»
É frequente ouvir estas perguntas e respostas. Em nada me identifico com elas. Bem sei que cada criança é única e são os pais que têm de a conhecer para saber até onde podem ir. Mas também creio firmemente que adiar um problema não é nunca uma solução. Por isso, acredito que é de evitar adiar a conversa da morte e falar de política, que são dois problemas da existência humana.

Abreviando o tema da morte, recordo apenas a naturalidade com que a minha filha disse que queria acompanhar-nos ao funeral de alguém particularmente querido aos primos. Sentiu e quis ir, pois sabia que era um momento importante. Daqueles em que temos de estar com quem amamos. Mesmo que seja só para estar.
Ele, nem pensar! Só a notícia o deixou com dores de barriga e mal disposto, sem perceber porquê, e ainda a achar que o leite estava estragado (se calhar é com ele que tenho de falar mais!).

Quanto à política, temos, a par com a escola, de lhes abrir horizontes. Dar-lhes o nosso exemplo de participação, levá-los connosco às urnas (aqui quiseram ir os dois!) e mostrar esperança neles e no futuro, ainda que, para tal, se critique o passado (ou mesmo o presente).
Para isso, deixo aqui algumas sugestões, que podem ser vir de ponto de partida para estas conversas de política: o livro Vamos a votos, do José Jorge Letria, e O meu livro de política, do ex-Presidente da República Jorge Sampaio. Não resisto ainda a incluir nesta lista o original livro de ilustrações Capital, do Afonso Cruz e editado pela Pato Lógico.
Por fim, o P3 traz-nos ainda umas sugestões em português do Brasil bem divertidas. E a Rita Pimenta conversou com Clovis Levi que é o autor brasileiro que escreve sobre a morte, a sexualidade e a ditadura.
Boas conversas!
AS

terça-feira, 1 de março de 2016

Um concurso que parecia ter tudo para dar certo

Existe há mais de 30 anos no Japão e a Nissan Portugal teve a ideia de o promover por cá. O concurso parece ter tudo para dar certo: a partir de um tema, os alunos escrevem e ilustram uma história. Ao longo de três anos, o júri reuniu e foi classificando os trabalhos. Alguns muito inocentes, outros mal escritos ou com ilustrações com traços demasiado infantis ou de quem não sabe mesmo desenhar.
O que correu mal num concurso que apela à imaginação e à criatividade?
O prémio não prestava? Não, o prémio era uma viagem a uma cidade europeia onde além do turismo proposto, os vencedores poderiam ver um centro de investigação ou uma fábrica da Nissan.
O prémio era só isso? Não chega? Mas havia mais: as dez histórias vencedoras seriam publicadas num único volume pela Leya, parceira desta iniciativa da Nissan.
O que é que interessa publicar um livro? E se forem dois? É que além dos jovens autores terem a sua história publicada, os vencedores da melhor história e da melhor ilustração (que pode não ser o mesmo par, da mesma escola, porque a melhor história pode ser a A e a melhor ilustração a B) teriam de se sentar e criar uma nova história e uma nova ilustração para ser publicado num outro livro, só com esta história. Portanto, no espaço de um ano, um jovem escritor/ilustrador tinha a possibilidade de publicar dois livros, quantos velhos escritores ou aspirantes têm essa possibilidade?
O júri era uma porcaria? Espero que não, eu fazia parte do júri, uma vez que o PÚBLICO foi media partner da Nissan! Mas estavam lá nomes com experiência e credibilidade como o escritor António Torrado, que na última edição foi substituído por Alice Vieira; o ilustrador Paulo Galindro; o comissário do Plano Nacional de Leitura e escritor Fernando Pinto do Amaral; o pintor Eurico Gonçalves (Sociedade Nacional de Belas Artes), além do editor da Leya Vítor Silva Mota e o responsável pela Nissan Guillaume Masurei. Portanto, pessoas da escrita e da ilustração.
Foi dado pouco tempo às escolas para participarem? Creio que não. Estas tinham conhecimento do concurso logo no início do ano lectivo e os prazos para cada fase eram razoáveis. No entanto, este é um concurso vocacionado para os jovens do secundário e estes andam preocupados com os exames.
Os temas eram difíceis? Nem por isso, embora estivessem sempre ligados, de alguma maneira à Nissan, e isso pode ser dissuasor. Mas escrever uma história a partir da ideia do ambiente ou da emissão de gases não é assim tão complicado!
Então o que correu mal? Eu tenho para mim que o que falhou foi a necessidade de a escola se envolver, de os professores terem de ser um motor para que a coisa funcione e, é como tudo, há professores de Português que agarram no colega de Educação Visual ou de Desenho e Geometria Descritiva (ou vice versa) e o desafia: vamos participar neste concurso? Quem é o teu melhor aluno no desenho? E quem é o meu na escrita?
Ou então, o professor propor à turma: Meninos, em vez de escrevermos sobre os heterónimos de Pessoa, vamos imaginar uma história sobre emissões de gases! E, a partir daqui, avaliar quem é o aluno que pode levar a escola a vencer o concurso.

Acho que foi isto que faltou. Agora o concurso foi suspenso por um ano para ser repensado. Estou curiosa!
BW