Quando era pequena, gostava de sair com a minha avó e ver toda a gente cumprimentá-la: "Como está, minha senhora?". A minha avó ía dia sim, dia não, ao cabeleireiro. A modista ía lá a casa todas as semanas. Às vezes, ía à mercearia, sentava-se, entregava a lista, esperava que a aviassem e levassem as compras a casa. Adorava pegar nos netos, ir de táxi ao Chiado, ao Jerónimo Martins (onde hoje é a Zara) e dar ordens. "É aquele vestido para esta menina, aqueles calções para o menino. E pode trazer mais duas saias iguais, para as mais pequenas, se faz favor". De repente, estavam mais de duas empregadas a atendê-la e todo o andar da roupa para criança num virote. A minha avó era uma "senhora dona" e era tratada com todas as mordomias.
Há dias, fui fazer o cartão de cidadão e lembrei-me da minha avó. "A sua morada, não sabe a sua morada?"; perguntava aos gritos a funcionária do registo a um velho, de fato de treino. "Vota na mesma freguesia?", falava abrindo muito as vogais, a um cabo-verdiano. "Então? Tem que olhar para a máquina, não pode baixar os olhos!", exasperava-se com uma mulher, natural de Angola. Chegou a minha vez, estava enervadissima com todos aqueles gritos. Não olhei para a objectiva, enganei-me a assinar, pressionei demasiado os indicadores contra a máquina. A funcionária foi compreensiva, sorriu-me, falou em voz baixa e voltamos a repetir todo o processo, só faltou tratar-me por "senhora dona". Em 30 anos, as coisas não mudaram assim tanto, pensei, lamentando que nem todos fossem tratados com o mesmo profissionalismo.
Há dias, fui fazer o cartão de cidadão e lembrei-me da minha avó. "A sua morada, não sabe a sua morada?"; perguntava aos gritos a funcionária do registo a um velho, de fato de treino. "Vota na mesma freguesia?", falava abrindo muito as vogais, a um cabo-verdiano. "Então? Tem que olhar para a máquina, não pode baixar os olhos!", exasperava-se com uma mulher, natural de Angola. Chegou a minha vez, estava enervadissima com todos aqueles gritos. Não olhei para a objectiva, enganei-me a assinar, pressionei demasiado os indicadores contra a máquina. A funcionária foi compreensiva, sorriu-me, falou em voz baixa e voltamos a repetir todo o processo, só faltou tratar-me por "senhora dona". Em 30 anos, as coisas não mudaram assim tanto, pensei, lamentando que nem todos fossem tratados com o mesmo profissionalismo.
BW
PS: E eu não sou uma sombra da minha avó...
Bem, descreveste maravilhosamente o que se passou comigo quando fui tratar do cartão do cidadão.
ResponderEliminarTenho pena que o profissionalismo de certas pessoas consoante a cor de quem está à frente vá variando. Se eu já era sensível a essas questões, desde que trabalhei e visitei África ainda mais tenho essa opinião. Raios partam a intolerância!!
Comigo foram simpátiquíssimos e muito compreensivos, quando me enganei a assinar...
Não percebi porque me mandaram tirar os óculos, quando mais ninguém lá de casa teve que o fazer... "tonterias" diriam nuestros hermanos...
não és, ainda, a sombra da tua avó ;) mas serás um dia, com as devidas actualizações de contexto. não vejo é a ligação entre ela e tanta intolerância e falta de humanidade. tenho a certeza que ela te ensinou a tratar todos com respeito. na mercearia, na jerónimo martins, a modista lá em casa... saibamos nós fazer o mesmo aos nossos filhos.
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