É das memórias da infância que tenho mais presentes: os festejos do 1.º de Maio, na Alameda, em Lisboa. Da janela, víamos os autocarros cheios, despejarem centenas de ceifeiras alentejanas, vestidas a rigor, com chapéus e foices. A janela abria-se e as avós insultavam quem chegava: "Vão trabalhar!"
Depois, eram-nos distribuídas bandeiras do CDS de Freitas, do PSD de Sá Carneiro e de Portugal. E lá íamos nós, as crianças, menores de 10 anos, para a porta de casa, abanar as bandeiras, brincar, comer uma fartura ou uma queijada, alheados à instrumentalização dos adultos, e ao ritmo dos bombos e dos cavaquinhos.
Às vezes, ouviamos insultos: "Fascistas!". A resposta não se fazia esperar, da janela, as avós gritavam: "Comunas!"
Lembro-me de um senhor que, num desses dias de festa, nos sorriu, fez-nos umas festas nas cabeças, olhou para a janela e gritou para as avós: "A festa dos trabalhadores e as vossas bandeiras só são possíveis porque vivemos em liberdade! Viva a liberdade!".
"Viva!", gritamos nós, alheados da política.
"Meninos, para dentro!"
Naquele dia, a festa acabou mais cedo.
Hoje, já não há avós, já não há paixões pelos partidos, os festejos do 1.º de Maio continuam na Alameda, mas perderam o brilho, talvez porque já não há trabalhadores, só colaboradores e muitos desempregados.
BW
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