Acidente desportivo: a nadadora da frente bate-lhe com um pé com tanta força que ela sente os ossos do nariz e da cara a "irem para dentro". Sai imediatamente da piscina e toca de ir para o hospital. Inscrição. Triagem. Como se trata de um trauma está na lista das "urgências mesmo urgentes". São 40 minutos de espera, informa a enfermeira. E são mesmo. É atendida. É mandado fazer um RX. É novamente atendida. Tudo muito rápido depois de 40 minutos de espera.
A pediatra tem dúvidas, por isso sai e vai aconselhar-se com o colega que, aparentemente também tem dúvidas porque nos é pedido para regressar no dia seguinte, para ser vista pelo otorrino.
"O nariz não está partido, pois não?", pergunto. "Não, mas estou aqui com uma dúvida e fico mais segura se ela vier amanhã...", responde a médica. "Mas está com dúvidas porque vê uma sombra no RX, é isso?", tento adivinhar, na esperança que me dê uma explicação. "Tenho uma dúvida, percebe?", repete, ao mesmo tempo que escreve uma carta ao colega de otorrino que irá ver a menina no dia seguinte e a fecha num envelope que me entrega – vedando-me assim o acesso à sua dúvida.
Eu penso, ao mesmo tempo, que recebo o envelope: eu percebo, eu gostava é que a partilhasse comigo as suas dúvidas, mas já vi que não tenho sorte. E se a senhora soubesse o que me irrita dizerem-me "percebe" como se eu fosse ignorante, não o faria...
"Bom, então o que é que aconselha a fazer até amanhã? Mantém o gelo? Faz anti-inflamatório?", pergunto, já com pouca paciência.
"Sim."
São horas de fazer contas. Um episódio de urgência e um RX são 21,50 euros. Ela abre os olhos de escândalo. "21,50 euros? Como é que faz quem não tem 20 euros", pergunta, olhando à volta, para a sala repleta de gente para quem 20 euros podem fazer diferença. "Muitos não pagam porque as crianças ainda são pequenas, outros têm apoios sociais", respondo, seguindo o seu olhar e, discretamente, apontando para as pessoas que estão nas situações que descrevo.
No dia seguinte, volta ao hospital. O otorrino abre a porta da sua sala mas não abre a boca para desejar um "bom dia", abre o envelope, lê a carta, pega num instrumento e espreita para dentro do nariz com tal violência que a miúda se encolhe com dores. "Podes sair", diz lacónico.
"Podes sair? E dizer o que viu? O que é que se passa? Porque é que tivemos de voltar? O que é a sombra? Não há uma palavrinha ao doente e aos pais? Nada?" Nada.
Não me preocupam os 20 euros mas a falta de qualidade do serviço de um hospital que recebe prémios de qualidade – sim, já sei que em breve vamos receber uma factura com o valor real da despesa, que esta ultrapassará os 20 euros e que nos devemos mostrar muito agradecidos ao Estado por nos fornecer aquele serviço por 20 euros porque nem pagamos impostos, nem contribuições.
Mas eu ficava mesmo, mesmo agradecida se os senhores doutores descessem dos seus pedestais de sabedoria e a partilhassem com os comuns mortais. Alguém pode ensinar os futuros senhores doutores, já que os actuais não o sabem, a falarem com as pessoas com normalidade? É que nós não somos todos ignorantes, percebem? E mesmo os ignorantes precisam de uma explicação.
BW
Olá,
ResponderEliminarPercebo perfeitamente o que diz, infelizmente. Mas posso dar-lhe uma boa notícia: há escolas que formam médicos que incluem no seu curriculum, e desde o primeiro ano, a relação médico/doente, onde esta é explicada, valorizada, exercitada e até avaliada em situações contextualizadas. A escola a que me refiro é a Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior mas sei que há mais escolas em Portugal a terem esta preocupação o que, aliás, é uma tendência dos nossos dias. E ainda bem!
Cumprimentos.