Foi em 2008, a última vez que Pina Bausch esteve em Portugal, a própria, um ano antes de morrer.
Pensámos, pensámos e decidimos levá-los a ver Cafe Muller, no São Luiz, em Lisboa. Eram pequenos, mas era uma oportunidade única. Ele tinha dez e ela oito. Explicámos: "O pai e a mãe gostam muito do trabalho desta coreógrafa, é uma mulher cheia de imaginação, os seus bailarinos são magníficos. O pai viu esta peça há muitos anos e está tão feliz por poder partilhá-la connosco. Tu [ela] ainda não tinhas nascido e ela imaginou uma coreografia a pensar em Lisboa que o pai e mãe viram juntos. Eram danças felizes, um bocadinho diferentes do que vamos ver hoje...".
Quando chegámos, não se viam crianças, só os adultos do costume, os seres cultos e iluminados da cidade, os que vemos no CCB, no Teatro Aberto ou no cinema King.
Eles sentiram que era mesmo uma coisa diferente! Todo aquele alvoroço, todas aquelas pessoas entusiasmadas, excitadas com o que se ia ali passar... Um casal perguntou-lhes se não queriam trocar de lugar, que veriam melhor. Obrigada!
E depois, ficou-lhes para sempre gravado na memória a correria, as cadeiras a cairem, a serem derrubadas naquela pressa de as tirar da frente dos corpos que vagueam pelo café, os gestos repetidos, os diálogos mudos, os desencontros e encontros.
Perceberam tudo o que viram? Não. Precisaram de contextualização? Sim. Perceberam o que representava aquela personagem de Pina, a solidão, a fragilidade, o abandono? Não. Perceberam porque é que eu chorei o tempo todo? Não. Mas vibraram porque nós vibrámos. E perceberam que Pina era grande, magnífica, diferente e que foi um enorme privilégio para eles verem-na dançar.
Agora repetimos a experiência, desta vez de óculos 3D postos. Mais uma vez, eles eram as únicas crianças na sala. Desta vez, do cinema. Recordaram o que tinham visto e não tinham esquecido. Podemos partilhar com eles o que já tínhamos visto, há muitos anos (muitos!): a Sagração da Primavera, a Água, o Baile...
Perceberam tudo? Não. Mas os gestos e os movimentos ficaram guardados nas suas memórias, na construção do seu gosto, e, nos seus corpos, nas brincadeiras onde reproduzem repetidamente aqueles movimentos, que têm tanto de belo como de físicamente exigentes, como viram fazer aos bailarinos de Pina.
BW
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