sexta-feira, 4 de maio de 2012

Aquela senhora vai bater-te...

Cinco anos, entra na sala da biblioteca como quem entra no parque infantil. Cheio de energia, a falar alto, a rir com vontade. A avó faz-lhe "shiu", ele olha-a de lado, com cara de malandro e mantém a postura e o comportamento, ri alto, senta-se numa cadeira e bate, ritmadamente, com os pés no chão.
Olho-o com cara de poucos amigos. Tenho o computador à frente, estou numa biblioteca e preciso de silêncio para me concentrar. Cruzamos o olhar e ao contrário de outras pessoas, à minha volta, não sorrio para aquela criança, mantenho o rosto fechado.
O rapaz procura um livro, pendura-se na estante. "Este? Este? Este não! Não gosto! Este? Sim! É este!", grita. A avó senta-se e diz-lhe baixo: "Estás a incomodar as senhoras. Estás a ser mau..."
"Eu sou mau! Eu gosto de ser mau!", responde alto, ao mesmo tempo que atira com o livro de capa dura para cima da mesa e se senta, com dificuldade, na cadeira, alta para o seu tamanho. Volta a olhar-me, em desafio, meio sorriso, à espera que eu retribua. Mas o meu olhar não se comove, permanece duro. A avó olha-me também e troco olhares com os dois, com o mesmo rosto fechado e cara de poucos amigos.
Ele já não "lê", brinca com as mãos, batendo, ora na mesa de madeira, ora na cadeira. "Shiu! Não vês que a senhora está a estudar? Daqui a pouco vem aqui dar-te duas palmadas!", diz a avó, olhando para mim, à espera da minha cumplicidade.
"Eu? Eu é que vou dar duas palmadas? Ele é que vai dar-lhe tantas palmadas, a si, ao seu filho, à sua nora, ao longo da vossa vida... Cinco anos e sem rédeas....", resmungo entre dentes, à procura de concentração para continuar a escrever.
Decido ignorá-los, aos dois, e, pouco depois, já o garoto está mais calmo. A hora do espectáculo acabou, já não é o centro das atenções, já pode "ler". Até que chega mais uma criança com a qual ele vai meter-se, vai fazer chorar e vai voltar a dizer feliz: "Eu sou mau!" Volta a olhar-me e eu nada.
"Vem para a aqui...", pede a avó, uma mulher que lê em francês. Ele finge não ouvir. Ela não insiste e continua o romance.
No meu lugar, estou a escrever sobre professores e imagino aquele menino no jardim-de-infância, na sala do 1.º ano, do 7.º, do 9.º... a desafiar os professores, a maltratar os colegas, a pedirem-lhe para parar e ele a ignorar, a fingir que não ouve porque é "mau", porque permitiram-lhe que fosse mau. Pobre menino.
BW

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