E, a pouco e pouco, a palavra "liceu" regressa ao léxico de alguns. Dos que andaram no "liceu" e o esconderam nos anos pós-25 de Abril por uma questão de sobrevivência; dos que desejavam ter andado no "liceu" dos pais, mas andaram na secundária; dos que têm os filhos nos colégios e, em determinada altura da vida escolar dos infantes, os mudam para a escola pública, mas chamam-lhe "liceu" para suavizar a decisão.
Para esses, "liceu" é uma palavra nobre. É uma "metáfora" como chamar "kleenex" aos lenços de papel, responde-me Laurinda Alves num post do FB. Acho que o que queria dizer era "sinónimo". Mas, de facto, é uma metáfora para tudo o que digo no primeiro parágrafo. É uma metáfora para uma vida que já não existe, para uma escola de elites.
No tempo dos liceus, nem todos lá chegavam. As classes mais baixas acabavam nas escolas comerciais e industriais.
Ah, mas hoje também não chegam todos à secundária, dir-me-ão. Chegar, chegam. Não chegam é todos de maneira igual. Uns chegam pelos cursos científico-humanísticos (maioritariamente são os filhos e os netos dos que andaram no "liceu") e outros pelos cursos do ensino artístico, vocacional, profissional e recorrente.
Portanto, as diferenças mantém-se, argumentarão. Sim, é verdade, mas estão todos na mesma escola.
E são todos tratados da mesma maneira? Não, lamento. A escola que devia ser promotora da igualdade e de ascensão social, mas continua a ser o seu contrário e contribui para que o fosso se mantenha entre os meninos do "liceu", os que vão ter as profissões liberais; e os outros, os que vão ser mecânicos, electricistas, programadores.
Quando vou às escolas, observo que os miúdos não se misturam. É fácil identificar, só pela postura e roupa que vestem, os que andam nos cientíco-humanísticos e os outros.
Os professores também me dizem que é fácil distingui-los, os primeiros estão motivados para estudar e, geralmente, comportam-se melhor em sala de aula; os outros nem sequer sabem estar.
Aliás, os professores também parecem ser de primeira e de segunda, os que leccionam as disciplinas que vão a exame nacional e os outros.
Como as próprias escolas, os antigos "liceus" com melhores resultados nos rankings feitos com base nos resultados dos exames nacionais, e as antigas escolas comerciais e industriais com menos turmas dos científico-humanísticos, logo, com resultados menos bons.
E, então, por que estou eu tão incomodada com o "liceu" se algumas escolas secundárias se comportam como "liceus"? Por todas as razões que enunciei! Porque a escola continua a ser desigual e não devia. Porque se continuarmos a chamar-lhe "liceu" estamos a dizer isso mesmo, que há meninos de bem e miúdos chungas. Porque, tal como os estudantes, todos os professores se devem sentir de primeira, estarem motivados e oferecer um melhor ensino. Porque todos têm direito a uma educação de qualidade, seja em que tipo de ensino for!
BW
PS: Os meus pais e os meus avós andaram no liceu, já eu e os meus filhos frequentámos escolas secundárias, antigos liceus femininos, que também eram diferentes dos masculinos, mas isso fica para outra vez!
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