terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Quando a escola é a única alternativa...

Ainda sobre a questão do número de horas curriculares, a reflexão, efectivamente, ultrapassa o domínio da educação, conforme um nosso leitor já referiu. Trata-se de uma questão política, cultural e geracional. A escola a tempo inteiro é uma necessidade que decorre das condições de trabalho dos portugueses, ou melhor, da falta das mesmas. O número de horas que as famílias têm de ter dos filhos nas escolas, actividades extra curriculares, avós, amas, etc. são consequência desta pseudo-cultura do trabalho, em que os horários se estendem muitas vezes das 9 às 9. E não estamos a falar do trabalho por turnos, ou dos serviços que necessariamente têm horários alargados. Além disso, a moda de que só é bem visto quem sai mais tarde do seu posto de trabalho pegou. Ainda que tenha passado metade do dia no facebook a criar vacas cor de rosa. Há ainda o caso daqueles pais que se desdobram e acumulam funções ou empregos. Conheço uma mãe solteira que aos dias de semana tem um emprego das 8 às 18. Ao sábado começa às 6 num café e ainda faz artesanato para levar a feiras. Não acumula "empregos" por gosto. Mas para poder dar conforto e qualidade de vida à filha que educa sozinha.
Enquanto não se resolver esta questão de fundo, do mundo do trabalho, a escola tem de dar respostas. É verdade. Eu também acho que um turno de aulas pode ser suficiente para se aprender bem. Mas de modo a que outras competências possam ser desenvolvidas é preciso ter família com tempo, devem existir outras actividades, etc. As condições socio-económicas e laborais das famílias da nossa geração não permitem que as mesmas possam ter lugar. A escola tem, então, de dar resposta. Para além do currículo, a escola deve, por isso, ver complementadas as suas propostas curriculares com actividades de outros domínios: música, desporto, etc. Mas isto é uma pescadinha de rabo na boca. Com os cortes orçamentais, quem paga estas actividades?
Ouvi ontem uma mãe dizer, a propósito deste assunto, que escolheu ter filhos para estar com eles e os ver crescer. Assim, é o pai que trata das crianças de manhã e as leva à escola. A mãe começa a trabalhar ainda antes das 8 da manhã de modo a poder sair mais cedo e estar disponível para ir buscar as crianças à escola e poder acompanhá-las. Esta é a solução possível (para alguns). É preciso querer. É preciso escolher e fazer opções. Mas também é preciso ter algumas condições ou sorte para que o querer e as escolhas possam ter lugar.

Ana Soares

8 comentários:

  1. "É preciso escolher e fazer opções" - é isso mesmo... o problema é que há muitas e muitas famílias que, simplesmente, não podem escolher.

    Escolhi trabalhar a partir de casa, enviar os meus (três) filhos para a escola depois dos 3 anos, ter o mais velho na escola pública sem optar pelo ATL (a escola tem 1 único turno, das 9h às 16h)... porque o meu marido tem emprego (mais ou menos) estável.

    Mas também conheço pessoas (próximas, muitas delas) que com empregos (mais ou menos) estáveis e perspectivas de subir na carreira mas horários de trabalho absolutamente absurdos (das 8h às 19h, no mínimo)põe os filhos em colégios caros porque os têm assim "guardados" o tempo que lhes é necessário a progredir na carreira...

    A "cultura do trabalho" descambou nisto, mas a "ética protestante" nórdica arranjou maneiras de dar volta à coisa - pelo lado do emprego dos pais, precisamente. Porque é que tem de ser a escola - as crianças - que tem de responder primeiro a estas falsas exigências do progresso? Porque não as leis laborais, os patrões, os empregados... os adultos, enfim?

    As crianças (e as escolas e quem lá trabalha) têm as costas largas... e estas gerações vão ficando marcadas também por isso...

    Marta Amaral

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  2. Bárbara, isso que propôe já existe, São as Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC). Durante, pelo menos, uma hora por dia, os miúdos têm inglês, música, etc. depois do horário normal. É optativo, claro. Não pode é ser adaptado às necessidade de cada pai. A escola não pode estar aberta até às oito da noite, por exemplo, com funcionários e professores, a dar actividades às crianças à espera que os pais cheguem, se os pais trabalharem até essa hora. Como resolvem os pais? Não sei, cada um terá a sua solução e eu sei que por vezes é complicado.

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  3. Ana, desculpe ter-lhe chamado Barbara :)

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  4. Acho que falta aqui uma análise às novas condições laborais, que é a falta de emprego.
    O raciocínio, como regra em tempo "normal" é aceitável, embora o compromisso da família disponível (avós, tios, etc...) pudesse minorar o "problema" e aliviar as crianças de permanecerem na escola tanto tempo, como fossem institucionalizadas.
    Sabendo-se que há entre 500.000 e 700.000 desempregados, pode-se aferir que haverá entre 400.000 e 600.000 famílias com os pais libertos de compromissos e que podem ocupar-se dos filhos, com benefícios para ambos. Não vou afirmar que o não fazem, até porque tenho a noção da necessidade de, entretanto, procurarem emprego.
    Como o problema é pertinente, vou fazer link no Contra, para as 7H00 de amanhã.
    Obrigado

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  5. Pedro,
    não faz mal a troca :)

    Quanto às AEC, eu sei que elas existem. Mas já existem actualmente e, segundo creio, não irão "crescer". Por ouro lado, o horário da componente lectiva irá decrescer. O problema que se coloca é que, não diminuindo o número de horas que os pais têm de deixar as crianças na escola, o que ficarão elas a fazer?

    Também não defendo que as crianças devam ficar na escola até tarde, estou apenas a questionar o que acontecerá àquelas cujos pais não consigam alternativas. E sabemos que acontece com muitas famílias!

    AS

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  6. Marta,

    obrigada pela partilha. Concordo com a sua opinião.

    Miguel,

    obrigada pela achega. De facto, hoje em dia, o problema laboral tem uma nova faceta: o desemprego.

    AS

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  7. Ana, esse é um problema dos pais. Já foi meu e pode vir a sê-lo novamente e eu hei-de desenrascar-me como puder. Nas escolas existem ainda os ATL, que guardam as crianças até um pouco mais tarde, pagando-se alguma coisa. Mas esse é um problema social a que o Estado não pode acudir de forma a que todos os pais fiquem satisfeitos, nem pouco mais ou menos. Também há pais que trabalham ao fim de semana e pais solteiros, etc. Sei que é difícil para muitos, mas não tenho a solução. A não ser que se crie uma rede pública de ATL permanente.
    Quanto às actividade das crianças, sou de opinião, não partilhada se calhar por muitos, que as crianças, até certa idade, devem ter muito tempo para brincar. Impressiona-me ver as crianças na escola de manhã quase ao fim da tarde. Mas com a falta de espaço que as crianças têm agora para brincar, e com a ocupação dos pais, não sei o que se pode fazer para isso. E acho impressionante a quantidade de trabalhos de casa que levam as crianças, até com seis e sete anos, em muitos casos.
    Posso já agora perguntar se a Dulce Neto tem um blog, qualquer coisa, onde escreva sobre estes assuntos da educação?

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  8. Concordo com o que refere, e com a sobrevarga de "trabalho" dos miúdos quando ainda estão em tempo de brincar ao faz-de-conta, mas a questão é que este é um problema de ordem social e quem está a "pagar" são os miúdos. A solução provisória está na escola, que vai "amparando" estas situações. Mas a mudança deve ocorrer, naturalmente, a outros níveis. A questão é que não se vêem indícios disto... Já estou como o F. Pessoa: Portugal. É a hora!

    Não conheço blog da Dulce N.

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