quinta-feira, 28 de março de 2013

Joana Vasconcelos ou a rainha vai nua


Valquírias

Quem viu a exposição da Joana Vasconcelos no CCB, em Lisboa, em 2010, não precisa de ir ao Palácio da Ajuda ver cães, cavalos, gatos, caranguejos, lagartos ou lagostas de louça Bordalo Pinheiro revestidos com rendas dos Açores. Déjà vu.
Rever as peças mais antigas como a Noiva (o lustre feito de tampões), Marilyn (o sapato feito de panelas) ou Coração Independente (um coração de Viana feito de garfos de plástico vermelhos) é um déjà vu. E sabe a pouco.
Falta a surpresa, embora não falte o humor. Claro que há peças que surpreendem, sobretudo pelo espaço onde foram enquadradas – como A Todo o Vapor – mas, repito, sabe a pouco. Sobretudo quando se vai acompanhada de tão exigentes espectadores:
– Já vi, já vi... – vai dizendo ela, parando em cada sala para ler a informação daquele espaço e passando pelas peças da Joana Vasconcelos como se não as visse.
A todo o vapor
– Não é novo. É sempre a mesma coisa – diz ele, olhando com mais atenção para as miúdas da mesma idade que estão a ver a exposição. 
Na sala de jantar do Palácio estão duas enormes lagostas à mesa, são Bordalo Pinheiro e vestidas com rendas dos Açores. Duas senhoras discutem:
– Estão a preparar-se para nos comerem! – diz uma divertida.
 – Não! Estão a ser preparadas para serem comidas – responde a outra.
«É isto que é maravilhoso quando olhamos para uma peça de arte, para um quadro ou ouvimos uma música, é que cada um de nós pode interpretar como quiser», segredo aos ouvidos dos exigentes espectadores, aproveitando o momento para fazer pedagogia.
– Eu acho que as lagostas estão com frio, senão não tinham aqueles casaquinhos de renda – diz ele, cínico.
Não gostaram, concluem. Soube a pouco, explicam. Gostaram mais da do CCB, tinha mais variedade, peças que surpreendiam e são capazes de as nomear apesar de terem passado três anos.
– E o Lilicóptero? Não é surpreendente? Cheio de plumas de avestruz e cristais Swarovski? E lá dentro, os tapetes eram de Arraiolos! – exclamo.
– Ela deve estar a viver do sucesso que teve em Versailles... – supõe o pai desapontado com a exposição.
– Pois, e quis reproduzir aqui na Ajuda. Olha, só valeu a pena porque assim vimos o palácio – acrescenta ela que gostou de se inteirar dos hábitos de D. Maria Pia.
– Mas não é interessante ver o modo como a Joana Vasconcelos olhou para cada uma das salas e introduziu um elemento surpresa? – insisto.
– Os estrangeiros todos maravilhados com a Joana Vasconcelos em França e agora os portugueses também. É como a história do 'Rei vai nu'. Ai que espectáculo o trabalho da Joana Vasconcelos! Que bom! E depois vamos ver e é igual a tudo o que ela já fez. Ó mãe, as salas debaixo tinham todas um animal com renda dos Açores... Onde é que está o efeito surpresa? – responde ele.
– Ó mano, não é o 'Rei vai nu' é a 'Rainha vai nua'!
Dou-me por vencida e não insisto mais. Ok, são adolescentes, não se deixam deslumbrar como quando eram pequenos, têm a cabeça cheia de outras coisas, mas têm alguma razão. Soube a pouco.
BW

Carmen
PS1: Vale a pena ver a fotogaleria do PÚBLICO!
PS 2: Porque é que a cultura, em Portugal, não deve ser explorada pelos privados? Pela falta de noção do que é serviço público, pela arrogância com que se tratam os espectadores.
1. No site da Everything is New, promotora da exposição da Joana Vasconcelos não há uma palavra sobre horários, mas os preços lá estão, bem visíveis, assim como os locais onde se podem comprar os bilhetes. Portanto, quem não saiba que o Palácio da Ajuda fecha à quarta-feira, em vez de encerrar à segunda como a maior parte dos museus, bate com o nariz na porta. Foi o que nos aconteceu ontem e a mais uma dezena de pessoas (o número foi contabilizado apenas no período de tempo em que estivemos na Ajuda, calculamos que ao longo do dia tenha acontecido a mais gente), todas ao engano. «Mas na revista do Expresso também não dizia que fechava à quarta», queixava-se uma senhora que tinha vindo de longe.
Cansada, uma funcionária do Palácio pedia: «Mas escrevam no livro de reclamações. Estamos fartos de falar com a organização e não fazem nada...».
2. À nossa frente um grupo de jovens, na casa dos 17/18 anos compra bilhetes. Há 50% de desconto para estudantes. «Tem cartão? Desculpe mas tem de pagar o bilhete sem desconto», explica o funcionário. «Ó meu amigo, mas quem é que com esta idade não está na escola?», apetece dizer-lhe. Como o rapaz não se queixa, quem sou eu para comprar as guerras dos outros.
3. A professora na fila ao lado, que quase chora quando conta à amiga que está com horário zero e que não sabe qual vai ser o seu futuro, não tem direito a desconto. «Só se viesse com mais de 20 alunos», explica o funcionário.
4. Chega a nossa vez. Apresento o cartão de jornalista (que em qualquer parte do mundo me dá entrada gratuita ou desconto na compra do bilhete). «Inês, como é com os jornalistas?». A Inês espreita o cartão e diz «Nada. É o bilhete inteiro». «Então são dois adultos e dois estudantes», pedimos. «Têm cartão?». Têm. «Que idades têm?». «Mau! Mas achas que os miúdos têm mais de 25 anos?!», penso irritada. «Se quiserem, há o cartão família por 24 euros... Sempre poupam um euro...», diz. Errado, rapaz, poupamos seis euros.
Noiva
5. O pai para a Inês: «Ontem estivemos cá e a porta estava fechada porque nos vossos sites não há informação sobre o encerramento à quarta-feira. Certamente terá conhecimento desta situação?». «Sim, mas o Palácio fecha à quarta-feira...», responde a Inês displicente – quem é que não sabe?!. «Mas não têm a intenção de pôr essa informação no site? É que nós não fomos os únicos a quem isso aconteceu...». «Sim...», diz a Inês a despachar – ó senhor, não vê que está a empatar a fila!?
6. À nossa frente segue uma mãe e uma avó com dois carrinhos de bebé. Há uma sala escura, com o Jardim do Éden e pode não ser fácil circular com os carrinhos. «Deixaram-vos entrar? Pois... É que a sala é escura e é preciso ter cuidado e como têm os carrinhos... Olha, não me interessa», diz encolhendo os ombros. Eu e o pai entreolhamo-nos. «Não interessa? E se estragam alguma parte da peça? Não interessa à pessoa que está a vigiar?». Assim como não interessa aos funcionários do piso de cima que esteja uma miúda a abrir um contador com a recomendação "não mexer"...

A cultura deve ser financiada pelo Estado para que todos tenham acesso a ela. Os professores que, no dia seguinte, podem levar os seus alunos; os estudantes que vão por sua iniciativa abrir horizontes; as famílias que querem dar mais aos seus filhos e, sim, os jornalistas para que sejam pessoas sempre bem (in)formadas.

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