segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ainda Isabel Jonet: quando queremos ser donos da partilha

No final da década de 1980, início da de 1990, os meus pais compravam bilhetes para a temporada de ópera no São Carlos. De vestido azul escuro com gola de renda guipure azul clara, lá ía eu e a minha irmã do meio; a mais nova tinha um exactamente igual mas de cor camelo e gola bege. Aqueles eram os vestido de ir à ópera, comprados para o efeito e caros porque financiados pela nossa avó.
Um dia, o vestido deixou de servir à mais nova, o do meio passou para ela e o meu para a do meio. Eu tive direito a nova farda. Um vestido tão bom e tão bonito era mal empregue para por na mala que se fazia para entregar na Cruz Vermelha, disse a minha avó, que decidiu oferecê-lo à irmã de uma amiga minha da escola.
Chegada a casa da minha amiga, falei com a mãe dela, instruida pela minha avó: "É um vestido muito bom. É só para ir à missa". Qual não foi o meu choque quando, um dia, cheguei a casa da minha amiga e a irmã andava com o vestido por casa todo riscado de caneta de filtro, como se fosse um bibe.
Quando contei o que vira à minha avó, esta ficou furiosa com "esses pobres que não sabem distinguir o bom do mau, mais valia o vestido ter ido na mala da Cruz Vermelha, assim não sabíamos o seu destino". Quando a minha amiga lá foi a casa, a minha avó deu-lhe um raspanete e ela respondeu-lhe, igualmente zangada, mas sem ser mal-educada: "O vestido é nosso e fazemos o que quisermos com ele!".
A minha avó engoliu aquelas palavras e reconheceu: "Tens razão, menina. O vestido é vosso" e não se falou mais do assunto.
A partilha tem este lado que, por vezes, temos dificuldade em reconhecer - quando partilhamos, deixa de ser nosso, é do outro e o outro é livre de fazer o que quiser. Portanto, se o outro quiser comer bifes, come; se quiser ir a concertos, vai; porque é livre de fazer as suas opções (além de estar a fazer bem à economia).
BW

3 comentários:

  1. Claro que sim, desde que não se fique sempre a dever... Se for o caso, é nosso dever alertar para as regras básicas de gestão pois as pessoas devem viver de acordo com as suas possibilidades. Outras vivem com tão pouco que é da nossa responsabilidade ajudar a melhorar e fazer tudo para lhes proporcionar melhores condições de vida.

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    1. Não percebo. Ficar sempre a dever o quê? no talho? no supermercado? no banco? Onde?
      Ou vivemos em países diferentes, ou de facto eu não consigo contrair dividas em nenhum desses locais.
      Para além do empréstimo bancário, que é pago com juros não estou a ver quem é que vive acima das suas possibilidades.
      Há pessoas que tem pequenas dividas, certamente que sim. Mas não é para pagar a divida na padaria de quem recebe o RSI que nós pedimos dinheiro à troika.
      É para pagar dividas do estado, que viveu acima das suas possibilidades, e que construiu infra-estruturas que não precisava nos últimos 30 anos. A esses senhores convém dar lições de economia e gestão. Convinha ter dado essa lição a cavaco silva quando desmantelou agricultura as pescas e a pouco industria que tínhamos a troco de 1 milhão por dia para construir auto-estradas e BPNs.
      Quem se dirige ao Banco alimentar, de certeza que não precisa de lições de economia para gerir algo que não tem a não ser fome!

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    2. Não tenho assim tanta certeza de que nao sejam necessárias lições de economia. Talvez assim, quem conduz bem a economia doméstica, também o faça com dinheiro que não é do seu bolso, como é o caso do Estado. E não me venha dizer que só o estado é que vive acima das possibilidades. Então o sobreendividamento das famílias é o quê? quem pediu empréstimos para pagar empréstimos é o quê?

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