Mãe põe em causa aplicação do acordo ortográfico nas escolas em carta dirigida a Crato, noticia o Público aqui.
Numa reunião de pais (em que estava no papel de mãe) também ouvi uma encarregada de educação manifestar-se contra o facto do filho ir aprender a nova ortografia. Foi um pai, com ar muito divertido, que respondeu à referida mãe, dizendo:
- Quando o código da estrada mudar, também vai dizer que não quer que o seu filho aprenda?
O código da estrada é constituído por um conjunto de normas assentes em algumas regras básicas e outras resultantes de puro bom senso que se destinam a evitar a ocorrência de acidentes no trânsito viário. Não se trata de um problema cultural. O código da estrada é harmonizado para que países limítrofes tenham o mesmo sistema de regras para que quando um nacional de um país visite o outro não provoque um acidente motivado por um qualquer mal-entendido.
ResponderEliminarSe o mesmo princípio se aplicasse à língua, a tendência seria para que todos na Europa, países limítrofes, falássemos a mesma língua. Não é isso o que acontece. Mas verifica-se um caso interessante. Em 1861, em Itália, apenas 2,5% da população italiana falava “italiano” e enquanto 10% a compreendiam. E porquê? Porque o italiano oficial é de facto o dialecto da Toscânia. E os dialectos italianos são bastante distintos entre si. Para alfabetizar uma população essencialmente analfabeta a opção oficial foi por uma ortografia essencialmente fonética, desprezando a etimologia. Hoje o italiano tem uma ortografia que torna o italiano escrito ininteligível para os outros povos românicos. Com o português pode vir a passar-se o mesmo. O Brasil é um país com um muito baixo índice de alfabetização. O português brasileiro não culto é essencialmente uma linguagem de analfabeto. A norma culta do português brasileiro está provavelmente muito mais próxima da norma culta do português europeu do que do português que se fala nas ruas brasileiras. O afastamento do étimo na ortografia torna a língua escrita mais difícil de entender para os falantes de outras línguas latinas. Por outro leva a que a forma como se escreve seja praticamente arbitrária e que apenas o recurso constante ao dicionário nos permita saber como de facto se escreve. Um exemplo: em Coimbra (e nas Beiras em geral) escreve-se e diz-se “coelho”. Em Lisboa (e no Porto) escreve-se “coelho” e diz-se “coalho”. Se o étimo for desprezado como se passará a escrever? Eu digo-vos: como se disser no Rio de Janeiro…
Portanto, a indignação da mãe é perfeitamente compreensível. A resposta do outro pai, bem, essa foi completamente fora de contexto.