"Mas ler os clássicos na escola continua a fazer sentido. Os Lusíadas de Camões, por exemplo.
Claro que continua. Os grandes clássicos não foram escolhidos por ninguém; não há um comité que decide que Homero é importante. O que houve foram cem gerações de leitores que disseram que esse livro é importante. É isso que define o clássico, é a obra que não se esgota junto dos seus leitores. E isso continua a ser importante, embora muitos leitores - e muita gente - não o reconheçam. As crianças têm uma imaginação activa, uma inteligência activa. Querem aprender a pensar. Na Idade Média, amarrava-se as crianças ao berço para as imobilizar. Hoje, amarramos a mente das crianças exactamente da mesma forma. Se me confiarem uma turma de crianças, comprometo-me a fazer com que elas leiam Camões com muitíssimo entusiasmo. É preciso dizer-lhes que são inteligentes e que vão conseguir ler essa obra. As crianças adoram palavras complicadas, termos difíceis, histórias onde não se percebe tudo. Mas a indústria não quer isso, quer tornar as coisas mais simples - e então fazem resumos, simplificam, publicam coisas idiotas para crianças e acabam por não publicar nada. Apenas jogos de vídeo.A nova geração continua a ter gosto pela leitura. Para o ser humano, o instinto de sobrevivência não se resume à necessidade de comer e beber; também inclui a necessidade de pensar. E isso é verdade seja onde for - aconteceu nos campos de concentração, acontece nas favelas mais pobres, acontece nas situações mais extremas. Continuamos a pensar, a criar, a interrogarmo-nos. E temos de lutar por isso. Não somos cegos; podemos dizer que não."
Alberto Manguel é ensaiasta e escritor, esteve por cá e deu uma entrevista ao PÚBLICO. Leia mais aqui .
BW
Mas que maravilha! Adorei ler... obrigada por esta partilha.
ResponderEliminarMuito bom!! Uma excelente entrevista que me deu muito gozo ler apesar de extensa.
ResponderEliminarUm beijinho e obrigada pela partilha!
De facto já me tinha questionado até que ponto fará sentido infantilizar certos clássicos da nossa literatura. Infantilizar no sentido de adaptar para crianças. O autor esforçou-se por escolher cada palavra, cada vírgula, cada pausa, e a forma que decide passar para o papel o seu sentir muda assim , para atrair a criança leitora! Não faz sentido, as crianças têm que ler a obra conforme ela é no momento oportuno. A criança hoje é criança, esforçamo-nos por pensar em pequenino para dar valor à sua dimensão de criança, o que é óptimo. Hoje há muitos estímulos, hoje os pais têm uma série de actividades, espectáculos, atelier, livros, pensados em função das necessidades da criança, o que é excelente, e por isso eu não estou totalmente de acordo quando o autor diz que estamos a destruir o valor do acto intelectual. Há um trabalho com as crianças que valoriza o livro e a leitura desde bebés, desde o infantário, o livro está lá no cesto dos brinquedos e isso é novo e é bom! Acho que estamos a trabalhar para que o ser “culto”não seja algo raro como era no tempos dos nossos pais, acho que estamos a vulgarizar e a democratizar o ser “culto”, acho que nos estamos a permitir questionar outras formas de ser culto. Os jogos também podem ser bons eles existem e podem estimular em vez de matar o intelecto. Mas é um trabalho a ser feito por pais e educadores.
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