domingo, 28 de junho de 2015

Os professores e a mania da perseguição

A notícia é clara e, aparentemente, não suscita dúvidas: os professores correctores não receberam formação este ano para corrigir os exames. Mais: quase metade desses docentes não tem qualquer formação.
A culpa é dos professores? Não. A culpa é do agora independente Instituto de Avaliação Externa (IAVE).
Mas quem passar pela caixa dos comentários do PÚBLICO ou pelo Facebook os comentários é de quem está sempre de pé atrás, de quem pensa que as notícias se escrevem para denegrir os professores, de quem acha que está a ser perseguido, de quem tem certezas absolutas sobre o seu profissionalismo e que este está a ser posto em causa...
Calma, senhores professores... A culpa de não haver formação não é vossa, a culpa – como disse no parágrafo anterior – é do IAVE.
E agora, sejamos sinceros, acreditam mesmo que como avaliam ao longo do ano, ao longo de todos os anos da vossa carreira, também sabem avaliar os exames nacionais? Não sabem... Não sabem porque não é fácil, se fosse, nem era preciso o IAVE fazer critérios, pois os senhores professores com a vossa experiência não precisariam de critérios. Não é fácil, se fosse os professores que conheço e que estão a corrigir seriamente os exames não me confessavam que este ano está a ser uma "confusão", uma "barraca", uma "bagunça".
Portanto, as notícias não se fazem contra os professores, fazem-se para informar os leitores. É importante que a comunidade educativa saiba o que se passa. É importante que o país conheça em que condições foram feitos estes exames. Neste caso, até se fazem as notícias para as usarem em vossa defesa. Se corrigirem tudo mal, se houver muitos pedidos de revisão, se muitas notas forem alteradas, podem sempre dizer do alto do vosso profissionalismo: a culpa é do IAVE, eu bem queria fazer formação, mas não havia...
Agora não digam, como alguns escrevem, que são tão bons, tão bons, mas tão bons que nem precisam de formação. Aprender até morrer e morrer sem saber, dizia a criada de casa da minha avó ou como diria Sócrates, o filósofo, "Eu só sei que nada sei". Mas digam-no batendo no peito, num acto de contrição e acreditem que o mundo não está todo contra vós. Não está.
BW

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Mas alguém viu o exame de Português com olhos de ver?

Mas o que é que se passou com o exame de Português? E o que é que se passa com as associações de professores de Português? (sim, "associações" no plural, pois vivemos num país em que cada vez mais, em vez de consensos, se criam divisões). E, se esperávamos sensatez nos comentários de uma associação, espantamo-nos quando não nos revemos nas opiniões publicadas nos jornais de nenhuma das duas representantes dos professores de português.
Ora recordemos este exame.
Matéria do 12.º ano: excerto de "Memorial do Convento"   - perguntas de interpretação, que não apelam ao conhecimento da obra, autor ou estilo.
Matéria do 10.º e 11.º: poema de Sophia (tema - poesia contemporânea do 10.º ano) -  perguntas de interpretação, que não apelam ao conhecimento da obra, autor ou estilo.
Gramática e interpretação: um belíssimo texto de Tolentino Mendonça - 50 pontos, dos quais apenas 20 eram para gramática, os restantes eram de interpretação.
O Público ouviu as duas associações de Português. E, mais uma vez, estas divergiram.
A APP crê que as médias vão voltar a baixar porque duas perguntas "exigiam uma grande concentração da parte dos alunos" . Porque exigia concentração?!? (Vá lá, refere-se a falta de objectividade do exame. Mas já lá irei.)
A nova Associação Nacional de Professores de Português considera que a prova foi “bastante acessível e absolutamente exequível para qualquer aluno”. Ok. Mas não comenta a articulação com o programa?
Moral da história: alguém viu o exame de Português com olhos de ver? Ouviram os alunos no final da prova? Sentiram o descrédito que a mesma gerou em torno da disciplina de Português, disciplina já tão mal amada e tratada?
Ninguém é capaz de dizer que esta prova gorou por completo as expectativas dos alunos que estudaram a sério autores e obras referentes aos três anos da disciplina? Ninguém é capaz de dizer que para o exame não era preciso ter estudado os peixes todos do Sermão de Santo António, o estilo queirosiano, "Os Lusíadas", "A Mensagem", a lírica de Camões, a peça "Felizmente Há Luar!"? Sim... estudar estas obras desenvolveu as competências necessárias à análise que se pedia no exame. Mas, por favor, não era precisa conhecer o romantismo, realismo, modernismo!
Os textos foram bem selecionados. Os autores são inquestionáveis. As perguntas interessantes e bem formuladas. Mas, definitivamente, os alunos [que estudaram, note-se] sentiram-se defraudados.

PS - falta referir uma novidade (boa) deste exame: acabaram-se as respostas de gramática cotadas com 0 pontos devido aos erros de ortografia ou acentuação.


terça-feira, 16 de junho de 2015

Os exames, os exames, os exames

Estou numa repartição pública e vejo o meu amigo Paulo Guinote na Opinião Pública da SIC Notícias. O tema são os exames. Vou sentar-me por baixo da televisão para ouvi-lo, não preciso de o ver! Em vez disso, ouço os telespectadores que ligam.
Uma avó que se queixa do dinheiro que os filhos gastam em explicações. Os netos não têm dificuldades, nem insucesso, "são só calões" – "é o que eu lhes digo!", reforça–, e levanta a questão primordial: o que estão a avaliar estes exames, o dinheiro que os pais gastam em explicações?
De seguida, entra uma senhora que começa por falar do acordo ortográfico. Desligo porque acabo de ser chamada e já não ouço o final. Volto a tomar atenção quando a funcionária vai fazer umas fotocópias e entra um estudante do secundário que não percebe a utilidade dos exames. Pois se ele fez dezenas de testes, ao longo do ano, entregou trabalhos escritos e apresentou outros orais, pois se ele se fartou de trabalhar por que razão tem de ser avaliado pelo que aprendeu em dois ou três anos de ensino em apenas duas horas, pergunta. São duas horas e meia, corrijo mentalmente. O miúdo confessa que, por vezes, tem vontade de chorar ou que chora, já não me recordo porque estou a pagar e a pensar "como o Estado me rouba, meu Deus!".
Atenta, a funcionária que me atende e que ainda não chegou aos 30 anos não resiste: "Diz que chora... deixá-los chegar à universidade para verem como elas doem!"
"Olhe que não, eles são muito pequenos e sentem uma pressão imensa. Eu não a senti na universidade", respondo-lhe, antes de me despedir. Eu sou do tempo da primeira PGA e aquela foi uma palhaçada.
E com isto, não ouço o que diz Guinote, acho que fala do negócio que gira em torno dos exames, não sei se já falou das explicações, mas ouço-o sobre os manuais escolares que se vendem nesta altura e que podem ser mais caros que os manuais, propriamente ditos, aqueles que se compram no início do ano lectivo. Saio que tenho mais uma burocracia para tratar.
Mas a pergunta que me fica é a da avó: o que estão a avaliar estes exames?
Estão a avaliar o que eles aprenderam ao longo de dois ou de três anos ou o que engoliram quais patos para o foie gras – dois ou três anos a ouvirem "olhem que isto pode sair no exame, olhem que isto é matéria de exame, calem-se senão não consigo dar-vos a matéria toda que vai sair no exame..."
Professores concentrados em preparar para o exame, em vez de ensinar, de fundamentar, de experimentar aquilo que se transmite. Professores atrapalhados porque não deram a matéria toda, aquela que vem para o exame. Professores que consideram que as disciplinas de exame são mais importantes do que as outras. Por isso, deviam ter mais horas lectivas, por isso, as outras deviam ser anuladas do currículo.
Pais concentrados no sucesso dos filhos. Pais atrapalhados porque os meninos não sabem tudo, não estão preparados. Pais que consideram que as crianças têm de se aplicar nas disciplinas que vão a exame – como aquela mãe que não estava nada preocupada porque a professora do 1.º ciclo ainda não tinha dado, até Maio, altura dos exames do 4.º ano, nada de Estudo do Meio, mas em contrapartida os meninos estavam mais do que preparados para responderem a Português e a Matemática e deixarem o colégio no topo dos rankings porque o importante é vermos que gastamos bem o nosso dinheiro, numa escola de qualidade, que isso do Estudo do Meio não interessa nada!
Alunos concentrados em assimilar toda a matéria dos dois ou três anos que durou o secundário. Alunos atrapalhados porque ainda não sabem tudo, não conseguem fazer todos os exercícios e "se sai aquela matéria que eu sei menos bem?" Alunos que consideram, como o que ligou para a antena da SIC, que tudo isto é ridículo: como se pode avaliar em duas horas (e meia) o que se aprendeu em vários anos lectivos? Por quê dar tanta importância a uma avaliação externa? E contudo lá estão eles a trabalhar porque a nota do exame é importante e, alguns, choram.
BW


quinta-feira, 4 de junho de 2015

O ensino do latim e do grego

"Sabiam que "Nike", a marca das sapatilhas, em grego se diz "Niquê" e que este é o nome da deusa da Vitória? Em que é que pensaram os senhores que criaram esta marca?"
Esta é uma das perguntas que fazemos, eu e a Ana, quando apresentamos a colecção Olimpvs.net nas escolas.
A mitologia e a cultura greco-romana estão na génese da nossa história, da nossa cultura, da ciência, de tudo o que nos rodeia. É isto que procuramos transmitir e eles, entre os 9 e os 15 anos, ficam deslumbrados – um animal mítico (que está na capa do quarto volume) que dá nome a um órgão que temos no cérebro?! É o hipotálamo.
O grego e o latim vão regressar. Com um ministério liderado por Nuno Crato, outra coisa não seria de esperar. O latim é obrigatório nos currículos norte-americanos e os alunos consideram que este é fundamental para compreenderem a Biologia, as ciências exactas em geral. Não me parece mal. São as nossas origens, como dizia.
As questões que se põem são: existem professores para o Latim e o Grego? Existem pais sensibilizados? E alunos? Não haverá áreas mais relevantes, áreas que foram tiradas às escolas, que são mais pertinentes de serem trabalhadas?
A esta última pergunta, eu diria que sim: primeiro é preciso saber sentá-los; depois, poderemos todos alegrar-nos com o regresso do latim e do grego.
BW

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Parece que a violência no namoro é normal...

No pátio, ele aparece por detrás dela, aperta-lhe o pescoço e pendura-se. A rapariga desequilibra-se, dá um grito de surpresa e de dor. Ele larga-a e ri-se. "'Tás parvo?!", atira-lhe ela. "Estava a gozar...", responde o rapaz, 17 anos, sorrindo, mas rapidamente o rosto se fecha e acrescenta: "Mas eu vi que estavas a olhar para aquele." Ela ainda tem a mão esquerda a massajar o pescoço quando atira a direita contra a cara do rapaz, com força, esbofeteando-o. "És mesmo parvo."
No que resta do intervalo, os dois não se falam, nem se olham. Mas no intervalo seguinte já estão juntos, como se nada se tivesse passado. Ele já lhe fez várias cenas de ciúme, mas ela gosta dele, o que é que se há-de fazer? "Não é por mal, gosta de mim..."
Um em cada quatro jovens acredita que a violência no namoro é normal, revela um inquérito da UMAR. Em Abril, um relatório da PSP revelava que de 2013 para 2014, as queixas por violência no namoro aumentaram 50%, a PSP passou a receber mais de quatro queixas por dia. Porque a violência no namoro existe, o Governo lançou, em Fevereiro, uma campanha chamada "Quem te ama não te agride" e tem uma frase fundamental, que resume tudo o que os miúdos deviam saber sobre o tema: "Se alguém te agride, se alguém te humilha, se alguém te controla, se alguém te isola dos amigos, isso não é amor, é violência."
Confesso que tenho sempre expectativas altas para os mais novos e que ler notícias sobre estudos e observar cenas de violência entre jovens me deixam angustiada. Se no namoro é assim, o que esperam no casamento? Que falta de auto-estima é essa, que permite que se deixem humilhar e maltratar? Que exemplos têm em casa para que se deixem controlar e agredir? A família não educa para o namoro, para as relações sexuais, para o amor? Espera que seja a escola, a televisão, os amigos a fazê-lo?
Deixo outra frase que espelha o que devem ser as relações, da mãe de Miguel Esteves Cardoso, e que está hoje na sua crónica no PÚBLICO:
"Quando um homem adora uma mulher, ele quer que ela seja feliz, e ela não precisa de lutar por nada. Ele coloca tudo a seus pés – e é um homem feliz por fazê-lo.", Diana Esteves Cardoso
É deste amor que pais e filhos devem falar: o do respeito, o da dignidade, o que faz feliz.
BW

terça-feira, 2 de junho de 2015

um alfarrabista dos tempos modernos

O OLX, passe a publicidade, foi sempre na minha cabeça para bicicletas, cadeirinhas e objectos afins. Pouco utilizadora destas plataformas, porque acabo sempre por dar a alguém conhecido o que sobra ou deixa de servir cá em casa, decidi espreitar o negócio dos livros, tentada por duas razões.
A primeira deve-se a uma aluna, numa escola onde eu e a Bárbara fomos falar que ficou tristíssima quando, depois de nos ouvir, percebeu como a coleção Olimpvs.net era fantástica e entusiasmante, e a sua mãe tinha colocado à venda no OLX um dos livros da coleção que lhe tinham oferecido nos anos!
O segundo, quando quis dar a ler à minha filha os velhos livros da minha infância  (Gémeas, Condessa de Ségur, etc.) e fiz contas ao valor da coleção. Claro que no "meu tempo", tal questão de custo não se colocava. Os livros eram requisitados na Biblioteca da F. C. Gulbenkian. Nunca eu tive tantos livros como os meus filhos têm a sorte de ter. Já lhes disse! Mas termino aqui o parêntesis  com a crise dos livros nas bibliotecas modernas. Levei a minha filha à nossa Biblioteca, procurando que ela seguisse os meus conselhos: - "Requisitas, com o teu novo cartão de sócia!". Desilusão. A biblioteca só tem até ao volume 3. Exatamente aquele que ela também já leu. Pergunto, então, a uma amiga se os tem. Diz que não e responde-me: - Agora só compro livros no OLX.
Era a segunda vez que ouvia na mesma frase «livros» e «OLX». Pois lá fiz uma pesquisa. O livro que a mãe da tal leitora Olimpvs colocara à venda já lá não estava. (Ou foi vendido, ou a garota conseguiu ficar com ele e lê-lo.) Quanto à condessa de Ségur e E. Blyton, abundam livros, coleções, uns de ponta dobrada e folhas amarelecidas, outros estimados, outros de 1973, enfim...
Quem diria. Acabei de descobrir um alfarrabista dos tempos modernos!  Falta-lhe o cheiro, toque, pó e magia dos alfarrabistas. Mas os livros, esses, estão lá também!

segunda-feira, 1 de junho de 2015

No Dia da Criança não lhe dê um tablet

O bebé, talvez tenha um ano, está a dormitar no carrinho, enquanto os pais assistem à missa da Primeira Comunhão do irmão mais velho. Com o barulho conjunto de toda a comunidade a levantar-se, o bebé abre os olhos, ainda estremunhado é presenteado com um smartphone. O bebé agarra-o e começa a brincar.
Onde estão os bonequinhos de pano, aqueles da Cristina Siopa? Rocas não pode ser porque fazem barulho, mas um bonequinho ou um livro maleável para aprender a mudar as páginas, para descobrir os animais... Não, toma lá um smartphone e sossegadito!
Há uns tempos vi um vídeo, daqueles virais, que mostrava uma menina com pouco mais de ano e meio a tentar mudar as páginas de algumas revistas como quem muda de ecrã no tablet. E lá estava ela de dedinho espetado a passar por cima das capas, mas a imagem não mudava.
Como é importante que eles saibam folhear um livro, fazê-lo da direita para a esquerda, compreender como se mudam as páginas, a lógica da leitura. Podem fazê-lo só quando chegarem ao pré-escolar, mas o ideal é que o saibam fazer antes de começarem a ir para o jardim-de-infância.
Como são importantes os livros, as histórias contadas antes de adormecer, as perguntas que eles fazem, os mimos... Lembro-me sempre do livro "Adivinha quanto eu gosto de ti", como é bom, ternurento, calmante depois de um dia de correrias e como ajuda a criar laços entre pais e filhos. Melhor que mil jogos no smartphone ou no tablet!
Ah, mas esta é uma geração diferente, muito mais informada e é isso que queremos para os nossos filhos, que sejam os 'mais qualquer coisa'!
Depois da primeira comunhão há festa e converso com um amigo, professor universitário, que se queixa da impreparação com que chegam ao 5.º ano do mestrado integrado. "Eles têm acesso a tudo mas não sabem ler, interpretar, pensar para além do que lêem. É tudo demasiado imediato e aparentemente fácil. E depois queixam-se 'ih... ó professor, mas está a pedir-nos para nos lembrarmos da matéria que demos no 2.º ano?...' querem que eu lhes faça a papinha toda, não pode ser."
O acesso imediato às novas tecnologias tem este lado negativo – já não há enciclopédias para consultar, livros para ler, existe o motor de busca e se não estiver lá é porque não existe –, mas há outros. E regressamos aos mais pequenos. Um tablet não substitui o manusear os blocos, as peças dos legos, os bonecos da playmobil, e, acima de tudo, não pode substituir a relação dos pais com os filhos.
Dá trabalho estar a brincar com eles? Dá trabalho ensinar as cores? Dá trabalho dizer que isto é um cubo e aquilo uma esfera? Não devia. A relação pais e filhos não deve dar trabalho, mas alegria, orgulho, felicidade.
É mais fácil pô-lo à frente da televisão a ver um programa pedagógico? É mais fácil pô-lo a ver um dvd? É mais fácil passar-lhe o telemóvel para a mão? É. Mas o que se perde na relação entre os pais e os filhos pode ser irrecuperável.
E depois eles chegam à escola completamente desaustinados porque a professora não tem lá um smartphone para cada um, para os entreter. E depois dizem que os meninos sofrem de hiperactividade, que não conseguem estar concentrados, défice de atenção. Sim, é isso mesmo, têm falta de atenção, falta de educação.
BW