terça-feira, 23 de julho de 2013

A (falta) de inteligência dos atletas

Nota prévia: Eu sou mãe de um desportista.
Diz o PÚBLICO: "Qual é o segredo para detectar um atleta acima da média? As capacidades mentais assumem um papel essencial.
Um desportista de topo não se reduz às suas capacidades físicas e ao talento com que foi favorecido pela natureza. Há cada vez mais literatura científica, produzida por especialistas de diferentes áreas de estudo a partir de testes práticos, a explorar a importância das competências intelectuais na prestação desportiva de alto nível. E as conclusões tendem a contrariar alguns preconceitos: cérebro e músculos são tudo menos incompatíveis." Leia mais aqui

Quando ouvimos um futebolista falar arrepiamo-nos. Os atletas são todos assim? Não sabem conjugar os verbos? Desconhecem o significado das palavras? Muitas vezes, a resposta é sim. Não estudaram. Não tiveram tempo para estudar. Desistiram da escola quando eram miúdos e se podia desistir antes dos 12 anos de escolaridade obrigatória.

Quem quer abraçar um desporto a sério tem de abdicar de muitas coisas: de festas, de saídas com os amigos, mas também de horas para estudar - algo incompreensível para os professores. Quando as aulas terminaram e fomos ver as pautas uma professora disse-me que ele era "mandrião". Com um sorriso respondi-lhe que ele trabalhava imenso e que não ia ter férias porque se estava a preparar para participar em várias provas. E a docente rematou: "Descanse que ele tem muitas férias durante o ano [lectivo]". Não insisti.

As aulas acabaram há um mês e ele ainda não parou de treinar. Continua a levantar-se de madrugada para o fazer. Em tempo de escola, as suas semanas podem ter 50 horas de trabalho, entre treinos e aulas. Incompreensível para os professores que o comparam aos outros, os que vão às aulas, voltam para casa e saem para ir às explicações.

Há provas nacionais e internacionais. Cada vez que sai do país, vai vestido com um equipamento que representa Portugal. São as cores da bandeira que fazem os seus fatos de corrida e de natação. É a abreviatura "POR" que está colada nas suas costas no fato de esgrima. Ele é Portugal na Polónia, em Inglaterra, na Bielorússia, na República Checa, em Espanha... em todos os países onde participa numa prova; onde dá tudo por tudo para subir lugares no ranking.

Há provas em tempo de férias. Há provas em tempo de aulas e, porque tem o estatuto de atleta de alta competição a escola é obrigada a fazer-lhe os testes ou entrega de trabalhos noutra altura quando aquelas batem com as datas das provas. Uma benesse, acreditam uns professores. Uma trabalheira, pensam outros, convencidos que estão que ele é um mandrião, que não faz nada. Faz, mesmo na escola. Não é aluno de 20? Não. Há outros na mesma situação que ele que conseguem ter 20? Há. É daqueles cuja inteligência permite não estudar e ter testes positivos só com o que ouviu na aula. Se estudasse seria um excelente aluno, acredito.

Ele não é único. A mãe de uma atleta contou-me que pediu à escola para colocar a filha numa turma da manhã por causa dos treinos. A miúda foi posta à tarde. Outra mãe pediu à directora de turma para adiar um teste porque naquele dia o filho ia para uma prova fora, o pedido foi ignorado.

Se fosse nos EUA, em Inglaterra ou mesmo na vizinha Espanha, estes miúdos estariam numa escola com outros atletas, com professores que compreendem que um miúdo que acorda às seis da manhã não é igual a outro que acorda às 7h30 para entrar nas aulas às 8h15. O país não investe no desporto, como não investe em nada – é inacreditável o investimento que os países de Leste continuam a fazer nos seus atletas, com treinos integrados e articulados com a escola desde que eles são pequenos. A escola portuguesa também não se sente na obrigação de tratar estes alunos de maneira diferente, aliás, como não trata nenhum dos outros de modo diferente, os alunos é que têm de se adaptar à escola, à escola das massas, da uniformização.

E sim, é preciso ser inteligente para gerir horários da escola e dos treinos; para gerir quando se deve fazer muito ou pouco esforço; para conhecer os adversários, os seus pontos fortes e fracos; para saber quando fazer a prova com mais calma ou com mais velocidade; para fazer cálculos matemáticos (quantos pontos preciso para alcançar o meu adversário? quantos segundos tenho de diminuir à minha corrida?); para planear. É preciso ter maturidade para sair do país com o treinador e não com a família; para gerir a frustração de não ser o melhor; para controlar o ego quando se é o melhor. É preciso ter responsabilidade para saber dizer 'não'.
B
 

1 comentário:

  1. Boa tarde,
    Gostei muito de ler este post. Os nossos (sim, "nossos") jovens atletas mereciam de facto melhor, outra escola, outro país.
    Muito obrigada pelo seu testemunho.
    Marta Fonseca

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