Uma professora foi condenada a seis anos de prisão efectiva e a 18 mil euros de indemnização por agressões e maus tratos a uma turma de crianças de seis anos, do 1.º ano. A professora considerou-se inocente e negou os factos, mas os juízes ouviram as crianças e decidiram a pena, uma das razões foi a arguida não mostrar arrependimento. O PÚBLICO foi ler o acordo.
O que a docente fez às crianças vai marcá-las para a vida. Para a vida, repito. E o tribunal também não tem dúvidas disso: "Acresce que os maus tratos contra alunos muito novos não raras vezes acabam por redundar em insucesso escolar e exclusão social, que urge prevenir."
A escola fica na Amadora e na televisão vejo as mães das crianças, são de origem africana. São os mais pobres, aqueles para os quais queremos que a escola seja uma saída para uma vida melhor. Como, se aos seis anos, levam com uma professora que os agride, que atira com a cabeça dos meninos contra o quadro, se lhes bate com o livro de ponto, com um pau de vassoura e atira cadeiras pelo ar?
E o que leio nas redes sociais?
Pessoas a quem reconheço bom senso dizerem coisas como:
"Isto levava-nos a um enorme debate sobre as condições de trabalho que existem actualmente."
Lamento, mas neste caso não se trata de falta de condições de trabalho. Segundo o acordo, a mulher ter-se-á separado do marido, na mesma altura em que o pai morreu. E estes acontecimento podem mitigar "ligeiramente" a culpa da arguida, refere o tribunal. Portanto, estamos a falar do estado de saúde da docente.
Num grupo de professores no Facebook, onde a notícia foi partilhada, os profissionais insurgem-se contra os pais e contra os alunos. Há uma docente que conta que conhece uma educadora de infância que desistiu da profissão porque era agredida por crianças de 3, 4 e 5 anos. A sério? Então estava na profissão errada.
Por muito desestabilizadas que estejam as crianças – porque podem viver no seio de famílias desequilibradas –, o funcionamento do pré-escolar, as actividades, os trabalhos preparados para elas ajudam-nas a ganhar rotinas, a acalmar, a estabilizar, a ter regras.
Quantos destes meninos – que chegam ao jardim de infância com fome, que não vêem o pai porque está emigrado ou a mãe porque saiu às cinco da manhã para as limpezas, ou que são vítimas de violência doméstica –, é no jardim de infância que encontram estabilidade no sorriso da sua educadora e no acompanhamento da auxiliar?
Ah, mas a escola não tem de substituir a família, dir-me-ão. Eu sei, mas também não tem de dar cabo das crianças só porque estas não têm famílias estruturadas. Tem sim de contribuir para o esbatimento das desigualdades. Estes meninos dão mais trabalho? Dão. Mas se a escola tiver esse trabalho quando eles têm três anos, será mais fácil para as colegas do 1.º ciclo. E se estas fizerem o seu trabalho, estes meninos chegarão com melhores ferramentas ao 2.º ciclo. E se... é um ciclo e, quando chegarem à adolescência será mais difícil que se tornem marginais. É este que deve ser um dos contributos da escola para uma sociedade melhor.
Gosto do docente que diz que a pena é severa porque há quem mate e tenha penas menores. Ou do outro que compara a pena à de Manuel Palito que matou duas mulheres, 25 anos. A da docente é, claramente mais dura, diz. Ou do outro que se insurge porque a justiça foi célere. Mas essa é uma boa notícia! Ou do outro que pede mais autoridade para os professores. Para quê? Para dar cargas de porrada aos meninos a partir dos 3 anos porque chegam mal educados à escola? Para os atirar contra o quadro? Para os espancar com paus de vassoura? Mas não é possível impor a autoridade com palavras? É que eu conheço muitos professores que conseguem ser respeitados em turmas que outros apelidam de difíceis – portanto, a questão não está em ter mais autoridade, mas em saber exercê-la. No fundo, em saber ser professor.
"Não lhes devia bater, como muitas vezes batem certos pais, disso tenho quase a certeza, mas aos pais tudo é permitido, como seja donos de um objeto, e vingam-se muitas vezes nos professores porque já não têm para onde se virar e o professor neste momento é o elo mais fraco, por isso toca a andar... e aproveitar descarregar as mágoas de uma sociedade contaminada, egoísta e sem valores, enfim..."
Mas os professores não vivem nesta "sociedade contaminada, egoísta e sem valores"? Não podem contribuir para que esta tenha mais valores? Os professores sabem mais de educação e de pedagogia do que sabem os pais. Pelo menos aprenderam esses conceitos quando andavam a estudar e não podem aplicar o que aprenderam? E porque os pais batem, o acto da professora já não é tão grave? Mas o pior de tudo não é baterem nos filhos, é vingarem-se nos professores, o elo mais fraco. Pobre professora que, de certeza, por culpa dos pais, porque aqueles lhe azucrinavam a cabeça, batia nas crianças. Pobre professora que era o adulto na sala de aula, com duas dezenas de anos em cada mão as atirava contra a cara desses animais de seis anos. Não por vingança, isso não. Por ser uma pedagoga, claro. Para exercer a sua autoridade, para ensinar.
"Só os piores criminosos são condenados a tqnto tempo e mesmo assim só quando não têm dinheiro para corromper a justiça ou cunhas que os salvem! Agora esta professora, talvez culpada, é das piores criminosas do país! Qualquer dia os professores começam a sofrer chantagens de alunos e pais a dizer que os acusam de agressão e vão para a cadeia se não fizerem o que eles querem. Vai por um bonito caminho isto!"
Vai por um "bonito caminho" enquanto os professores olharem para os alunos e para os pais como olham. Vai por um "bonito caminho" por acharem que os colegas devem ser perdoados pelas circunstâncias. Porque morreu a mãe, porque se divorciou, porque se lhe furou um pneu, porque não sabe dar aulas, porque tem uma unha encravada, porque está com o período, porque, porque...
"Para quando penas idênticas para pais e alunos que insultam, ameaçam e agridem professores? Tenho muitas reservas quanto à forma como estes factos foram comprovados. Se a denuncia foi feita por uma colega, é ainda mais grave. Se achava que a colega não estava bem deveria ter agido de forma positiva. Podiam ter-lhe retirado a turma coloca-la na biblioteca ou nos apoios. Isto não a vai ajudar em nada!"
Há pais que são condenados. Há alunos que são condenados e expulsos do sistema. Quer os pais quer os alunos fazem capa no Correio da Manhã, como esta professora. É só procurar.
Este tipo de argumento da gravidade da colega ter denunciado a outra colega leva-me a questionar: Quantas situações não se passarão dentro das salas de aula que o corpo docente da escola tem conhecimento, mas não denuncia para não prejudicar o colega que, coitado, tem tantos problemas na vida, está deprimido, tem dívidas e não sabe como pagá-las, tem um filho que anda na droga ou um marido que lhe bate... Quantas direcções sabem e nada fazem? Como neste caso, em que o então director do agrupamento ouviu queixas durante cinco meses, cinco, e nada fez. Foi objecto de processo disciplinar.
Mas, para o colega há desculpa, toda a compreensão. Para os pais não. Esses têm de entregar à escola filhos perfeitos e prontos a ensinar. Entregá-los a pessoas que estão doentes mas que serão protegidas pelas outras que, aparentemente, não estão e apoiam a doente. Estas são as pessoas que "agem de forma positiva", esquecendo que a sua função na escola não é proteger colegas descompensados, mas proteger os alunos desses colegas. Porque não há professores sem alunos. Esquecem-se tantas vezes disto... Que existem para ensinar e não para se andarem a proteger uns aos outros e a empurrarem para as bibliotecas e para os apoios as maluquinhas... Ver se eu percebo: um murro na biblioteca tem menos impacto do que um na sala de aula? Já sei! Na biblioteca haverá menos testemunhas, logo, será mais fácil de desmentir. OK.
Há uma docente que vai ao ponto:
"Se ameaçarem de morte um filho nosso, ou se o espancarem devemos ser benevolentes só porque é um colega?"
Mas é logo atirada ao tapete por outra:
"Não! É partir-lhe logo ali a cara, apedrejá-lo, julgá-lo sem dó nem piedade e fazer como nos países pouco civilizados! Julgamento sem possibilidade de defesa e se a professora não assumir uma culpa que não tem e não mostrar arrependimento por não ter assumido uma culpa que não tem ainda temos as chicotadas no poste! Ou então podemos tentar averiguar o que se passou realmente e não fazer disto um estandarte do MEC!!"
Lá está: depois dos alunos mal comportados e dos pais que não sabem educar, faltava o ministério. A culpa é da tutela! Do MEC que não dá condições de trabalho aos professores e, ainda por cima, lança-lhes processos disciplinares quando tem suspeitas de que agiram mal. Maldito ministério...
E regressamos ao princípio: a culpa é de todos. Todos, excepto da professora que o tribunal condenou por dar como provados os crimes. Em nenhum momento a culpa pode ser da professora. Nenhum.
BW
Bem escrito.
ResponderEliminarNão fazia ideia da quantidade de coisas que se escreveram sobre este assunto nas redes sociais, que não costumo frequentar.
ResponderEliminarEm contrapartida, li a notícia do Público e comentei-a no meu blogue, em https://escolapt.wordpress.com/2015/07/16/a-professora-condenada/.
Como pode verificar, condeno sem reservas os procedimentos desta professora, que não acho que reúna condições mínimas para exercer a profissão.
Mas não acho que o MEC esteja isento de culpas, ao burocratizar e centralizar a administração escolar, em vez de promover uma gestão de proximidade em todas as escolas, atenta e responsável perante esta e outras situações problemáticas do quotidiano escolar.
Nada desculpa o que a professora fez, mas sobra sempre a questão de saber como é que o sistema educativo se deve organizar para detectar e resolver estas situações sem que cheguem a este ponto de gravidade e com sequelas persistentes, provavelmente, para boa parte daqueles miúdos.
Centrar a gestão escolar na gestão pedagógica ou nas papeletas e nas plataformas informáticas que o MEC vai inventando para manter as direcções escolares fechadas nos seus gabinetes a alimentarem a burocracia e o centralismo governamental em vez de verem o que se passa nas suas escolas?
Será que levantar estas questões na sequência da condenação desta professora faz de mim um "corporativista"?...
Vá dar aulas nas escolas de Sintra e amadora e depois fale. Os pai são de longe os culpados. Se os professores não servem para professores saíam, se os país não servem para país nao tenham filhos....
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